terça-feira, julho 24, 2007

Paddling to Stand Still - The Swiss Alps

Day 0
21 hours driving

Eram três da manha. Terça-feira, 31 de Julho de 2007. A "besta", um Golf 1900 diesel de 93, com 350.000 Km, e com os consumos de óleo a rondarem 1 litro cada 5000 Km, estava carregada até ao infinito das suas já finitas suspensões. Três marmanjos, três kayaks de creek, roupa, neoprenes, tenda, sacos de cama, 5 litros de óleo, e como não poderia deixar de ser, não fossemos nós tugas, estavamos ainda munidos de cerveja e comida para os 10 dias loucos que se apresentavam pela fente. Os alpes suiços eram o sítio mais perto na Europa (e um dos melhores) para uma "Summer Trip" , onde a água em Agosto não para de correr, devido aos inúmeros glaciares que tem o maciço. Se a "besta" o permitisse, 1600 Km depois, pernoitaríamos em Genéve, esse era o nosso destino.

The Portuguese Alpin Trio
Rabiço, Lip Lateiro and Jamba Nunes
Photo by Rabiço


Partimos ... mas com um contratempo de última hora ... meia hora mais para acomodar a coleção de enchidos que o Lateiro insintiu em transportar. Disse-nos que não funcionava a leite ... De fazer inveja a qualquer feira de fumeiros do Continente. Com se já não bastasse o peso, a "besta" cheirava a alheiras até às suas entranhas.
Parafraseando o meu caro amigo Pires, pusemo-nos em Burgos "num estoiro", janelas abertas para secar o suor (e aliviar o fedor que o sol do planalto Espanhol teimava em remover das relíquias do Lateiro), mas ainda nos esperavam mais 1100 Km de estrada. Propusemo-nos a fazer a viagem em 18 horas, mas acabamos por ser traidos pelo Viamichelin e perdemos horas preciosas no maciço central francês. Uma da madrugada de Quarta, 1 de Agosto e os nossos anfitriões em Geneve, Matthias e Elisabeth Thomann, ofereceram-nos o primeiro sono decente das últimas 24 horas. Nos dias seguintes iamos percorrer os sidecreeks do grande vale do Rhone (no cantão suiço do Valais), esperavam-nos muita adrenalina, as paisagens alpinas edílicas e algumas dores de cabeça ...

The "beast" near Burgos (Spain), with evidences of burned oil
Photo by Rabiço

Day 1
Lonza River (Blatten-Dam, 7Km, drops 245 metres,
7 m3/sec, classe IV)

Com uma pendente acentuada, o Lonza é um puro alpino. Chegamos cedinho e mesmo assim já tarde para remar toda a sua extenção. Com a chegada das horas do meio dia o sol derrete água a mais no glaciar, para ser navegado com segurança. Optamos por uma abordagem mais conservadora. Sitiado no vale Lotschental, um pouco acima de Sierre, são 7 Km de classe IV+, 245 metros de desnivel, e com os contras a serem uma raridade. Nada mau para uma primeira abordagem ... O homem do "fumeiro", novo nestas andanças, foi demovido de abandonar o rio nos primeiros 50 metros ... Duas de treta com uns austriacos que tinham estado três semanas na Noruega ... e duas horas depois a primeira refeição decente em solo suiço, arroz de polvo em lata que sabia a bacon.
Não sou nenhum Reinhold Messner, e por isso tive algumas dores de cabeça devido ao ar rarefeito ... nessa noite pernoitamos na nascente, junto do glaciar Langgletscher, bem acima dos 2000 metros.

Rabiço in the Lonza, for the first time in his Wavesport Habitat 74
It is so good that can pass under trees !
Photo by Matthias Thomann


Jamba Nunes crossing the line in one of the Lonza big ones
Photo by Rabiço

Elisabeth "The Warrior", in the Lonza
Photo by Matthias Thomann

Sometimes cows shouldn't creek ...
Photo by Rabiço


Camping near the Langgletscher Glaciar
and the "beast" still was working
Photo by Rabiço

Day 2
La Dranse de Martigny (Sembrancher-Martigny, 10 Km
, 21 m3/sec, Classe IV+)

Quando a manhã apertou, o tempo tinha-nos pregado uma partida. Era a chuva. Atrasamos a nossa subida no vale, rumando de novo em direcção a jusante do Rhone para remar dois afluentes que apenas davam com chuva. Nesse dia estavamos 15 na água. Uma turma de Berna que andava a fazer um périplo pelos Alpes tal como nós, e malta amiga que morava na zona.
Foi uma descida estranha ... Chovia, com trovões de quando em onde, e a água cinza escuro parecia não parar de subir. De tal forma que a descida foi um contra-relógio, não fosse o tempo tecê-las. Reportou-se um banho do homem das chouriças que após ter lutado 15 segundos com um rolo gigante ... nadou. O resto ficou tudo cá dentro, 10 Km classe IV+, com uma portagem no mínimo estranha, nessa manhã o rio tinha sido estrangulado por uma torrente lateral de lama e pedras. Pelos vistos é normal nos Alpes.

Dranse de Martigny. Black day, blak water, nice river
Photo by Rabiço
Day 3
La Vieze (Lal d'Illiez-Trois Torrents, 4 km, classe V with that water level)


Acordei a arrotar à salada de bacalhau que tinhamos feito para impressionar o povo no dia anterior. O bacalhau não era muito por isso era mais uma salada de cenas, que de vez em onde sabia a bacalhau. Tinhamos dormido em casa de um franciu que se tinha há muito mudado para a Suiça - Bruno - era um ninja na água ... com unhas. Levou-nos a conhecer o seu backyard - LaVieze. Vindo da encosta sul do Rhone, junta-se a este em Montey, e é talvez o rio mais exigente tecnicamente que já naveguei. Rápidos extensos classe V, encadiados em sequências curtas IV+. E o pior de tudo era a rocha, sempre muito agressiva para os kayaks, pelo menos para mim que tenho o vício de "bufar" em tudo que é pedra. Desaconselhavel. A equipa reduziu-se a 4 elementos logo no início ... Bruno, Jamba, o Matthias e eu ... Caguei três vezes e mijei 6 ... tal era o cagasso, praguejei por não ter um capacete integral e, após a entrada, o rio só nos deu tréguas no final, quando saímos.

Matthias in La Vieze
Photo by Rabiço

Bruno negocites it well with his backyard
Photo by Matthias Thomann


Not a good way to run the rapids in La Vieze
Photo by Jamba Nunes

Le Rhone (Dam of Evionnaz-Lavey-les-Bains, 3 Km, classe III+/IV, 200 m3/sec)
Le Rhone (Sierre Wave)

Para baixar um pouco o ritmo cardíaco após o alucinante Vieze, e também porque havia pessoal a seco nesse dia, rumamos na tarde ao impressionante Rhone. Com um caudal de 200 m3/segundo, foi uma "big water classe IV experience" de meia hora.
No final do dia deu ainda tempo para ir marinar talvez no melhor playspot de todo o Rhone (em solo Suiço). Claro que com barcos do tamanho de camiões não deu para fazer grande coisa. Bruno e o Ian (um britanico nos cinquenta e tais que desde cedo se rendeu aos Alpes) mostraram como se faz ...
Hora de tirar as cervejas do congelador (rio) ... arroz com cogumelos e siga ... tenda ... o dia tinha sido de loucos !!!

No, no ... that's not the Rhone's best playspot
Bruno at the Evionnaz Dam
Photo by Rabiço

Rabiço and Ian in the Rhone's best playspot in Switzerland
The Sierre Wave
Photo by Lip Lateiro

Alpin breakfast and wild camping in a secret place
Photo by Rabiço

Day 4

Le Rhone (Ernen Bridge-Mörel, 12 Km classe IV, V and VI, 14 m3/sec)

Talvez o ponto alto da expedição. Técnicamente mais fácil que o Viéze (porteando as longas sequências classe VI, e algumas classe V), esta parte alta do Rhone, é um pouco semelhante ao Guil nos Alpes franceses. 12 Km classe IV bem consistente, com uma água ora tons de verde, ora tons de azul, ora tons de cinza, e com o sol sempre por cima das nossas cabeças para ajudar a alma. Após as duas longas portagens no início é disfrutar até ao final.
Um clássico da parte central dos Alpes Suiços, mas pouco conhecido, pois fica um pouco longe de tudo ... Contamos mais uma vez com a companhia do Ian e o seu negro e mordaz humor britanico ... Em Novembro vai voltar a remar no Nepal pelo oitavo ano consecutivo ... No Rhone fartou-se de tomar banhoca ...

From Ernen to Mörel, the Rhone is 12 Km of this, what do you want more ?
Photo by Matthias Thomann


Rabiço finds a way in the last part of a long classe V rapid
Photo by Ian Beecroft


The "Chorizo" Lip Lateiro in the Rhone
Without a fashion helmet but he still have some stille !
Photo by Matthias Thomann

Day 5
Rhone (Bobmen-Bellwald, 5 Km classe III/IV)

Do rio pouco há a contar. Remamos cedo pois queriamos passar a Furkapass
ainda de dia (passagem a 2400 metros, junto do glaciar do Rhone onde se passa do vale deste para o grande vale do Reno) ... e por esta a razão o rio não nos contemplava muito caudal.
Mas o dia trouxe outras histórias ... o previsivel tinha acontecido ... o carro estava a dar o peido !!! No dia anterior a minha condução tinha provocado reacções estranhas. Quando nas subidas passavamos por ciclistas, estes torciam o nariz e esticavam o seu dedo em sinal de protesto ... Pois, pois, digo eu, não podem ver uma matrícula portuguesa a ultrapassar que entram logo em xenofobias !!! Mas não ... o carro estava a a perder e a queimar óleo ao ritmo de uma verdadeira incineradora ... O sobe e desce dos Alpes estava a fazer os primeiros estragos na "besta", e nos pulmões dos ciclistas de fim de semana que gramavam com as expirações do "autotanque".
Não tinhamos outra solução senão andar de aguadeiros a parar de cem em cem Km para acertar o nivel do precioso líquido. O fim do dia foi passado a ver glaciares e a negociar entre nós: ou regressavamos ao fim da espedição naquele estado a Portugal ou arriscavamos um arranjo em plena Suiça que de certo valeria mais do que o próprio carro !


Rhone, near Bellwald. The fall of big rocks and trees built a huge sifon
Photo by Rabiço

Jamba Nunes after a long, long walk to get out of the river bed
Photo by Rabiço

The Genesis of the Rhone - Rhonegletscher
10 % of his size in XIX century.
Photo by Rabiço

The 4000's and the Rhone valley. A view from Furkapass (2428 m)
Photo by Rabiço
Day 6
Medelsbach (2 Km classe IV-V, drops 130 metres, 1 m3/sec)
Glenner (8 Km classe IV, 6 m3/seg)

Pesadelos de motor a fumegar toda a noite ... Tinhamos decidido compor o senhor Golf, caso contrário nunca chegariamos a casa. Mas isso deixamos para o final do dia.
Estava na hora de remar mais uma preciosidade ... O Medelsbach já na grande bacia do Reno, fez-nos lembrar um pouco Portugal, mas era um "Corsica Stille River". Apertado, e de desnível acentuado, é uma garganta majestosa cravada no granito
. As fotos contam o resto !
Para além disto de recordar ainda o açude de 6 metros que saltamos às escuras no Glenner, e o trabalho que tivemos em descarregar tudo o que tinhamos na viatura ... Pernoitou na oficina !

Lateiro, Jamba Nunes and Rabiço
Three different views of the Medelsbach major (runable) waterfall
Photos by Rabiço, Matthias Thomann and Lip Lateiro

One slide ...
Photo by Lip Lateiro

Matthias in great stile in "the turnig slide"
The gorge is beautifull
Photo by Rabiço

Three slides !!
Photos by Lip Lateiro and Rabiço


Day 7
Voorder Rhein (Ilanz-Versam, 12 Km, classe III, 50 m3/sec)

A manhã começou com chá ... O Lateiro estava deprimido. Tinham acabado as suas bolachas torradas sem as quais não passava no pequeno-almoço. Agora já só restavam 2 latas de milho, um nabo, meio kilo de cereais de aveia para os passaros e 6 kilos de fumeiro. Começavamos a atacar o carregamento infindavel dos amigos da Toyota Hiace 4x4 ... Mas eu só bebia chá ...
Quanto me iria custar a reparação? Qual seria a razão da desgraça?
Num agente Volkswagen suiço paga-se 100 por hora de mão de obra, mas nunca vi tanta
eficiência. Os artistas lavaram o motor, deram com a fuga e substituiram o encaixe estalado do filtro do óleo em menos de uma hora, mais peça e tal e coisa ... 170 euros. Nada mal para um país onde tudo é uma caristia.
Tivemos de novo chuva e uma água cor de feio. No final deste sequência clássica do Reno em Versam, há uma loja preciosa de material de canoagem. Um pequeno espaço de 40 m2, com todas as marcas possiveis e imaginárias, e com uns preços por estranho que pareca bem acessiveis. Como já tinha gasto o plafond na viatura vim de mãos abanar, a sonhar com uma Werner topo de gama desmontavel ... 600 g de pagaia.

Jamba Nunes in the "black hole" rapid. Voorder Rhein
Photo by Matthias Thomman

Elizabeth with the powder rock gorge in front of her
Photo by Rabiço


The last happy-breakfast of the "cookies monster"
Photo by Rabiço


Day 8
Inn (Lavin- Ardez, 14 Km, classe IV-V (VI), 18 m3/sec)

Depois das atribulações passadas com o carro, estava na hora de rumarmos mais a Este. Passando a famosa cidade de Davos, e mais uma passagem a 2400 (Fluelapass), damos connosco quase na Áustria. Primeiro o Susasca e depois o grande Inn. O Inn corre para Este e vai alimentar já na Austria o Danúbio. Esta região suiça pareceu-me mais vetical e muito mais remota. Este último dia de navegação encheu bem as medidas. Da categoria do alto Rhone, o Inn é um dos mais clássicos rios suiços. 14 Km, classe IV "big volume".

The Susasca valley
Photo by Rabiço

Hard sequences of big water. The Inn near Ardez.
Photo by Rabiço

Day 9

The Return

Tinhamos em planos mais um dia de águas bravas mas depois de uma olhadela no mapa, vimos que estavamos quase na Sibéria. 28 horas era o tempo estimado para chegar a Portugal. O melhor era sair um dia antes e vir nas calmas. Reunimos os francos que restavam e abastecemos de pão. Fizemos à pressa um esperguete de atum ranhoso e atestamos pacotes de leite vazios com esta mistela. Carregamento, despedida dos anfitriões e na manhã de Quinta, dia 8 de Agosto, fizemo-nos à estrada de novo.
Passando mais a norte, por Zurich, para apanhar o máximo de autoestrada chegamos a Genéve pelo final da tarde. Entramos em França munidos de chocolate até aos olhos, bem mais barato que em Portugal e sem o tão desejado canivete suiço para canoista, que ainda não foi lançado.
Posemo-nos de novo em Burgos "num estoiro", mas com o sono a apertar estoiramos mesmo de vez ... 4 horas de sono ... mais 5 de viagem. Estavamos enfim, em casa.

Before leave, one hour of strab work
Photo by Matthias Thomann


Blue White Green White
Switzerland
Photo By Rabiço


A Suiça é talvez o melhor país da Europa para se viver. Isto para quem gosta de actividades outdor. Ski, BTT, águas bravas, parapente, desportos verticais, como escalada e canioning e um paraiso do montanhismo. Tem mais de 15 picos a cima dos 4000 metros. A época de águas bravas começa em Abril Maio e só termina em Outubro.
Com um nível de vida extraordinário continua a ser um país de oportunidades.
Tem algumas particularidades interessantes que partilho aqui convosco:
25 % de todo o dinheiro mundial está de baixo do solo de Genéve
O gasoleo é 30 % mais caro que a gasolina, pois sofre um imposto ambiental pesado.
E para andar em todas a autoestradas suiças durante um ano compra-se um selo, 40 euros, que é mais um imposto ambiental, nada mau, quanto custaria um selo para fazer o mesmo em Portugal ?